Assim como o Teatro, as obras públicas eram projetadas para beneficiar os beneficiados, um grupo que misturava gente de bom nível cultural com um enorme contingente de ignorantes endinheirados que fingia gostar de ópera e teatro.
IMITAÇÃO PERVERSA
Esse plágio sócio-cultural, além de ser absolutamente incompatível com a identidade amazônica, ainda afundava o Estado em pesadas dívidas contraídas no exterior para erigir um progresso fictício que favorecia a corrupção. Os que denunciavam essa degradação moral, eram perseguidos e, entre esses heróis da resistência, está entronizada a figura de Heliodoro Balbi, que teve seu mandato de deputado cassado por proferir, na Câmara dos Deputados, no Rio de Janeiro, a contundente e definitiva frase: “O Amazonas é a Calábria da Pátria”. Morreu refugiado no Acre, em 26/11/1919.
Essa frivolidade insana era incompatível com a Manaus de então, onde a quase totalidade dos habitantes não tinha dinheiro para freqüentar o Teatro, não tinha acesso à justiça, não usava bens importados pela Alfândega e não tinha poder aquisitivo para comprar seus alimentos no sofisticado Mercado. Um dos marcos da futilidade foi a importação de pedras (para pavimentar ruas, calcadas e praças) e árvores (frutíferas e de arborização).
A CENA E OS BASTIDORES
Na cena principal, os ricos e endinheirados, só usavam artigos importados e se divertiam em clubes de luxo ou assistindo peças de teatro e ópera. Com algum sadio devaneio é possível imaginar abastados seringalistas, “coronéis de barranco” e opulentos comerciantes, acompanhados das esposas semi ou totalmente analfabetas, usando caríssimas roupas européias, chegando ao Teatro, em carruagens douradas, para assistir um espetáculo oferecido para uma platéia boquiaberta e cheia de admiração subserviente por artistas que falavam uma língua que ela não entendia.
Nos bastidores sem charme a vida era marcada por uma perversa exclusão social, com os pobres morando na periferia aonde nunca chegou iluminação pública, água encanada, trilho de bonde, logradouros públicos bem cuidados, ruas arborizadas e calçadas, etc.
A cena e os bastidores são marcados por uma perversa distribuição de miséria e uma opulenta concentração de riqueza que chegou ao ponto de importar até mesmo as prostitutas (francesinhas, mademoiselles, polacas, etc.) porque as putas caboclas, índias e nordestinas (marafonas, mariposas, patuscas, mulheres de vida fácil) não eram dignas de saciar a sodomia dos ricaços.
A edição de 02/02/1906 do centenário Jornal do Commercio de Manaus (www.jcam.com.br) informava que o salário do trabalhador em Manaus era de 6 mil reis por dia, insuficiente para atender as necessidades da família. Em outro trecho da reportagem, diz o jornal: “É um horror! A cidade está cheia de indigentes que vivem ao sol e à chuva, pelos jardins e por todos os cantos da cidade, muitos atacados de febre e beribéri”.
O ciclo da borracha teve seu fim exatamente como se encerram todos os sistemas econômicos alicerçados no modelo “barata voa”, isto é, ao menor sinal de perigo todo mundo se manda.
Ficaram por aqui os noveaux riches que viraram noveaux pauvre e passaram a clamar pela internacionalização da Amazônia sem se importar com os excluídos da periferia da cidade, do hinterland e, principalmente, dos seringais habitados por nordestinos que Euclides da Cunha tipificou como “o homem que trabalhava para escravizar-se.
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