segunda-feira, 23 de junho de 2014

O caboclo da Amazônia e sua religiosidade

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Dispor-se a compreender a vida religiosa e o comportamento característico da catolicidade do caboclo amazônico e seus recursos mágicos em busca de sua satisfação objetiva é ter que se revestir de uma objetividade capaz de efetivamente criar todas as condições para se ingressar, de forma eficaz, nesse mundo particular. 

São idéias, impressões e concepções como a de Charles Wagley (em ?Uma comunidade amazônica: estudo do homem nos trópicos?), Arthur Cezar Ferreira Reis (na obra ?O seringal e o seringueiro?) e Eduardo Galvão (em ?Santos e visagens: um estudo da vida religiosa de Ita?) que podemos constatar conteúdos reveladores e sugestivos dessa temática fascinante e encantadora.

Esforçou-se em resgatar, revelar e publicar as contribuições, as sugestões desses pensadores e suas reflexões e tornar inteligível a essencialidade do conteúdo religioso dos habitantes da Amazônia.

Quando Eduardo Galvão elege a religiosidade do caboclo amazônico, dentre os aspectos distintivos da cultura do habitante rural da Amazônia, justifica esta escolha ?não apenas pelo que ela possa conter de local, de peculiar à Amazônia, porém pela função que representa na estrutura dessa sociedade rural? (p. 3).

Mesmo expressando um comportamento católico, o caboclo nunca se sentiu impedido de transitar pelo universo impregnado de idéias e crenças oriundas da sua ancestralidade ameríndia. Houve uma mestiçagem de crenças. Os caboclos viviam a sua catolicidade da forma que entendiam e interpretavam; uma vez que não dispunham de sacerdotes em abundância, deixaram-se todos dominarem por certas abusões e crendices. A visita do clero, ao Vale amazônico, era esporádica e dava-se durante as festas dos santos. Eram somente nestas ocasiões que os sacramentos oficiais estabelecidos podiam ser ministrados.  

É necessário considerar que apesar dos conceitos religiosos indígenas terem uma importância na configuração da religiosidade do caboclo, ?a nova cultura regional que emergiu na Amazônia, foi predominantemente orientada por idéias e por instituições lusas, modificando-se naquilo que exigiam as circunstâncias históricas e as peculiaridades do ambiente geográfico? (Galvão, p.9). 

É também interessante salientar que na Amazônia, o contato entre europeus e indígenas não proporcionou e nem significou assimilação nem adoção por parte do índio dos elementos culturais do Velho Mundo. Apesar disto, a orientação cultural, na Amazônia, foi mantida e permeada pelo padrão europeu.

O sistema religioso vigente na Amazônia teve influência decisiva tanto da estrutura básica do catolicismo ibérico do século XVI, como da articulação que se fez com o padrão indígena, transformando em sua fusão e desenvolvimento pelo contexto específico do vale amazônico. Por outras palavras, ?a dominação que exerceram colonos e missionários portugueses sobre os aborígines, deram margem ao desenvolvimento de uma cultura predominantemente ibérica de que o catolicismo era uma das principais instituições, influenciando esse processo as novas condições do ambiente, e em particular, a estrutura sócio-econômica? (Galvão, p. 10).

Não há como não se deparar com dois componentes, o ibérico e o indígena, quando se imprime um estudo do comportamento religioso do caboclo; não há como não perceber o problema do caráter do catolicismo ibérico em confronto com a cosmovisão do aborígine. 

As mudanças significativas produzidas com a penetração de agentes econômicos e sociais externos, no passado, no vale amazônico, operam ainda hoje com muito vigor na memória do amazônida, principalmente nas suas instituições religiosas.  

Segundo Galvão, nas áreas rurais amazônicas, como em todo o Brasil, ?observa-se a tendência para acentuar-se uma forma mais estrita e ortodoxa de catolicismo. (...) Crenças não católicas são degradadas e consideradas como ?superstições? das classes economicamente inferiores? (p. 10 e 11) em nome de uma religiosidade oficial hegemônica e mais influente. 

A proposta de Wagley, principalmente relacionada à possibilidade do processo gradual de transformação da magia para a ciência, esclarece determinados processos contemporâneos engendrados no conteúdo intrínseco do processo de racionalização do mundo. Ao mesmo tempo, é possível perceber a contemporaneidade das idéias, concepções, estrutura e esquema teórico publicados por Wagley, em seu trabalho.

Assim, na Amazônia, há uma combinação e uma relação entre espectros mágicos, tabus tradicionais, crença nos pajés e seus espíritos (pajeísmo) com o catolicismo popular e o culto aos santos. Esta relação não é conflituosa. É peculiar dos habitantes da Amazônia a crença em poderes sobrenaturais da floresta, do rio, as superstições, crendices e lendas.

Dependendo das circunstâncias, o homem amazônico ora recorre à ciência por uma fé aparente, ora às tradições populares e práticas de magia. Na medida em que uma falha, a outra entra em cena; revigora-se. Na medida em que uma se fragiliza e se despotencializa, a outra se torna hegemônica, prevalece sobre a outra.

Todavia, para o caboclo, de acordo com determinados tipos de condições existenciais concretas, a fé na ciência apresenta-se como recurso último no equacionamento de suas fragilidades e necessidades.  

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